
Entre capim e cajueiros, arrastava-se, sobressaltado e quente, o mês de Março de 1971, pelo nordeste moçambicano.
Macomia, Chai, Antadora, Largo do Oasse, não rimavam com Guisande, Paço de Sousa, Azurara, tão-pouco com Benguela...
De entre as cartas que, quase diariamente, me chegavam da Amadora ao SPM 1864, eis que uma me traz a descrição dos primeiros sinais da Primavera anunciados nas árvores, entre a avenida da Liberdade e a praça José Fontana, em Lisboa. E remata o anúncio da nova estação com a transcrição de um poema encontrado no bolso da camisa de um soldado japonês, tombado na II Guerra Mundial:
"Ó ameixeiras defronte da minha casa
eu não voltarei
mas não vos esqueçais
de tornar a florir na Primavera!"
Não foi preciso ler segunda vez para que perdurasse na minha memória, tão profundamente me tocou!
E acompanhou-me, até hoje.
Não sei se em memória do que vi e sofri, principalmente pelos que a meu lado tombaram e pelos que, desmembrados ou estropiados, sofreram pelos hospitais os horrores da guerra, plantei três ameixeiras, que são hoje árvores feitas.
Trato-as, delicadamente.
E são sempre das primeiras árvores a florir, (re)anunciando a Primavera. E sempre das primeiras a dar fruto.
Oh! como são frágeis e lindas as flores das ameixeiras!
Lembram-me o tempo em que, pequeno, na quinta do Gaiato de Paço de Sousa, nos intervalos da escola, as regava pela avenida de baixo.
Tive a sorte de, são e salvo, tornar a ver florir as ameixeiras, na Primavera.
A catorze dos que comigo partilharam a dureza da guerra, nem o capim lhes amorteceu a queda... A outros quarenta, um helicóptero os foi evacuando para Nampula, alguns não mais regressando...
Em memória dos que a meu lado tombaram e de quantos as guerras devoram, não mais tornando a ver florir as ameixeiras defronte de sua casa, vão todas as pétalas de todas as ameixeiras que o vento sopra e leva!
Quatro Lagoas, Março de 2010 - Santos Silva
Ó ameixieira da minha meninice!
ResponderEliminarA vida poupou-me a guerras cruéis e apenaas recordo o fascínio de ver florir as ameixieiras da minha infância anunciando uma primavera que coloria nossos sentidos ce criança.
E ainda hoje fico deslumbrado com o florir das ameixieiras que antecipam o sentir o aroma dos seus suculentos frutos.
São frágeis e lindas as flores das ameixeiras, assim como são belas as sentidas palavras deste texto.
ResponderEliminarObrigada, Joaquim, por esta bonita homenagem às ameixeiras e aos homens caídos nas guerras.
Isaura