terça-feira, 23 de março de 2010

CACHORRO-QUENTE


Freguês irregular de mesa incerta,
vario entre o café,
o rissol e a cerveja. Ultimamente,
num gesto de mão larga,
faço namoros ao cachorro-quente
e insisto na mostarda...

Raramente discuto os títulos da imprensa,
e às parangonas dos jornais, prefiro
certeiro como lança o atrevimento
da crónica que alcança
o tumulto da Praça e, breve mas com risco,
reduz toda a questão
das castas sociais à simples disjunção:
OU TREMOÇO
OU MARISCO!

Detesto ambiguidades: a gerência
reserva-se o direito de proibir
que pelas mesas se estenda a mão à caridade.
Louvo o princípio. Apenas: como há-de
matar a fome quem não vê
qual ministério ou qual instituição
chame a si o dever
de côbro pôr a tanta humilhação.

A Paula e o Rui ainda se trocam beijos
nos intervalos
do sonho e do estudo.
Silêncios de incerteza ameaçam cerceá-los
e vão dizendo já que os beijos não são tudo...
que qualquer solução
terá que ter em conta
trabalho e habitação.
Mas por muita pureza de intenções,
por muito apego
a normas sociais,
sem casa e sem emprego,
ninguém se escandalize
que o arrastar de amores apresse tentações
e vire... vire norma o que antes foi deslize.

E insisto na mostarda... a outra, a que me chega
ao nariz quando leio nos jornais
que cada português ao estrangeiro deve
dez mil euros ou mais...
A existir tal factura,
alguém falsificou a nossa assinatura...
Daqui lanço o alerta
à Procuradoria e aos Tribunais!

Na mesa ao lado, o jogo dos palpites
ao número da sorte continua...
Este país vai de mal a pior...
- Senhor Manuel, a conta, por favor,
que eu tenho pressa de sair para a rua!

(Publicado em 1982 e actualizado em Março de 2010 - Santos Kim)

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