quarta-feira, 31 de março de 2010

PAÇO DE SOUSA - FESTIVAL DA JUVENTUDE

O Festival da Juventude, levado a efeito naquele Julho de 1969, foi uma vivência marcante para todos quantos o tornámos uma admirável realidade.
Sem qualquer tipo de subsídios! - apenas a grande generosidade, a disponibilidade, o espírito fraterno que a todos nos animava, possibilitaram esse memorável feito!
Ali, entre o granítico silêncio do Mosteiro, os altíssimos plátanos debruçando seus ramos sobre o ribeiro onde apenas se moviam, indiferentes, os cisnes do Padre Arlindo...

Ali, sem rebeldia mas com muita determinação, fomos capazes de erguer no palco os nossos braços; de, nele, harmoniosamente, entusiasticamente, levantarmos A VOZ DE TODOS NÓS!
Foi belo e - nesse tempo... - muito corajoso da nossa parte. E de quem, enchendo por completo o recinto, nos aplaudiu e connosco confraternizou.
Como se, com a antecedência de 5 anos, estivéssemos anunciando o nosso consciente grito de Liberdade.

Aconteceu em Paço de Sousa, naquele Julho de 1969.
Geração interessantíssima aquela de que fizemos e fazemos parte!

Jograis


"Américo Tomás" e sua "Gertrudes",
convidados VIP



Grupo de jovens participantes
em foto para posteridade

terça-feira, 23 de março de 2010

CACHORRO-QUENTE


Freguês irregular de mesa incerta,
vario entre o café,
o rissol e a cerveja. Ultimamente,
num gesto de mão larga,
faço namoros ao cachorro-quente
e insisto na mostarda...

Raramente discuto os títulos da imprensa,
e às parangonas dos jornais, prefiro
certeiro como lança o atrevimento
da crónica que alcança
o tumulto da Praça e, breve mas com risco,
reduz toda a questão
das castas sociais à simples disjunção:
OU TREMOÇO
OU MARISCO!

Detesto ambiguidades: a gerência
reserva-se o direito de proibir
que pelas mesas se estenda a mão à caridade.
Louvo o princípio. Apenas: como há-de
matar a fome quem não vê
qual ministério ou qual instituição
chame a si o dever
de côbro pôr a tanta humilhação.

A Paula e o Rui ainda se trocam beijos
nos intervalos
do sonho e do estudo.
Silêncios de incerteza ameaçam cerceá-los
e vão dizendo já que os beijos não são tudo...
que qualquer solução
terá que ter em conta
trabalho e habitação.
Mas por muita pureza de intenções,
por muito apego
a normas sociais,
sem casa e sem emprego,
ninguém se escandalize
que o arrastar de amores apresse tentações
e vire... vire norma o que antes foi deslize.

E insisto na mostarda... a outra, a que me chega
ao nariz quando leio nos jornais
que cada português ao estrangeiro deve
dez mil euros ou mais...
A existir tal factura,
alguém falsificou a nossa assinatura...
Daqui lanço o alerta
à Procuradoria e aos Tribunais!

Na mesa ao lado, o jogo dos palpites
ao número da sorte continua...
Este país vai de mal a pior...
- Senhor Manuel, a conta, por favor,
que eu tenho pressa de sair para a rua!

(Publicado em 1982 e actualizado em Março de 2010 - Santos Kim)

sexta-feira, 12 de março de 2010

PRIMAVERA, DE PAÇO DE SOUSA AO SPM 1864


Entre capim e cajueiros, arrastava-se, sobressaltado e quente, o mês de Março de 1971, pelo nordeste moçambicano.

Macomia, Chai, Antadora, Largo do Oasse, não rimavam com Guisande, Paço de Sousa, Azurara, tão-pouco com Benguela...

De entre as cartas que, quase diariamente, me chegavam da Amadora ao SPM 1864, eis que uma me traz a descrição dos primeiros sinais da Primavera anunciados nas árvores, entre a avenida da Liberdade e a praça José Fontana, em Lisboa. E remata o anúncio da nova estação com a transcrição de um poema encontrado no bolso da camisa de um soldado japonês, tombado na II Guerra Mundial:



"Ó ameixeiras defronte da minha casa

eu não voltarei

mas não vos esqueçais

de tornar a florir na Primavera!"




Não foi preciso ler segunda vez para que perdurasse na minha memória, tão profundamente me tocou!

E acompanhou-me, até hoje.

Não sei se em memória do que vi e sofri, principalmente pelos que a meu lado tombaram e pelos que, desmembrados ou estropiados, sofreram pelos hospitais os horrores da guerra, plantei três ameixeiras, que são hoje árvores feitas.

Trato-as, delicadamente.

E são sempre das primeiras árvores a florir, (re)anunciando a Primavera. E sempre das primeiras a dar fruto.

Oh! como são frágeis e lindas as flores das ameixeiras!

Lembram-me o tempo em que, pequeno, na quinta do Gaiato de Paço de Sousa, nos intervalos da escola, as regava pela avenida de baixo.

Tive a sorte de, são e salvo, tornar a ver florir as ameixeiras, na Primavera.

A catorze dos que comigo partilharam a dureza da guerra, nem o capim lhes amorteceu a queda... A outros quarenta, um helicóptero os foi evacuando para Nampula, alguns não mais regressando...

Em memória dos que a meu lado tombaram e de quantos as guerras devoram, não mais tornando a ver florir as ameixeiras defronte de sua casa, vão todas as pétalas de todas as ameixeiras que o vento sopra e leva!



Quatro Lagoas, Março de 2010 - Santos Silva