quarta-feira, 12 de maio de 2010

FRONTEIRA - Um resumo

Entre pontas de cigarros,
sobras de arraial, vestígios
de suposta indigestão,
por doença ou desemprego,
sobre o lajedo da praça
joga-se o corpo e a desgraça
na tentativa do pão.

Envolta a boca em cieiro
que ranho e frio provocam,
ao pé - descalços! - os filhos
estendem a mão a quem passa
nuns gestos que já não tocam...

Por desemprego ou doença,
sobre o lajedo da praça
.................................................

E eu para aqui tentando a redondilha
na desgraça dos outros
- nesta! a que vejo! e que se mostra e clama!

Não se resume nisto a dimensão do drama...

NEM a paralisia se desloca!
NEM o antro se expõe p'las avenidas!
NEM o poder terá de enfrentar as crianças
em reivindicação de proteínas!
NEM os analfabetos se amotinarão
em frente das escolas!
NEM os cegos farão
sair dos bandolins cânticos de revolta
contra a caixa-de-esmolas!...

NADA DISSO! A fronteira
das privadas inquietações gerais
passeia-se no luxo dos casinos,
no fofo dos veludos,
na seda da gravata a decidir
os que hão-de miserar e os que hão-de progredir
nos duzentos à hora em auto-estrada
do livre instinto concorrencial...

- Para lá da fronteira é tudo bestial!

Gaia, Fevereiro de 1982 - Publicado em 1982 - Joaquim Santos Silva