quarta-feira, 18 de maio de 2011

NA ESTRADA, MEU IRMÃO

Chegou-me, triste e embargada, a notícia:
- Tio Quim, o tio António... sabe... não sei como lhe dizer... deixou-nos... Encontraram-no caído na estrada... supõe-se que de acidente.
Era a voz da minha sobrinha Idília, ao telefone.
O António... o meu irmão António...
De quatro, o irmão mais velho.
Ainda de tenra idade, calças remendadas e pés descalços, metera-se à estrada para S. João da Madeira, à procura de pão certo...
Passados muitos meses que eu não sabia contar, regressava de visita aos irmãos, de bicicleta em segunda mão.
Pegou-me ao colo:
- É paz (era a abreviatura de rapaz)!, trabalho numa serração a segurar uns troncos pesados que uma serra grande corta em tábuas.
Acabaria por comprar uma bicicleta nova e, muito mais tarde, uma motorizada que se esmerava a limpar.
- É paz!, com esta já não preciso de dar aos pedais!
E levou-me a dar uma volta.
Mas pedalou sempre. Por duros anos, em toda a sua vida. Depois da serração, na fábrica de borracha, até à magra reforma.
Para as horas livres, trazia de renda duas leiras, donde tirava as batatas e as couves e o feijão e as abóboras para a mesa, e para alimentar o porquito, que matava pela Nossa Senhora dos Pardais.
- É paz!, a vida é mesmo assim... Tu foste pró colégio. É certo que te arrancaram de ao pé de nós e choraste muito nos primeiros tempos, mas estudaste. A minha escola, paz!, fi-la entre o serrim e as casqueiras de pinheiro e de eucalipto. Foi mesmo assim, paz!
Sim, António, a vida era assim mesmo - duríssima!
Saíste de casa de calças rotas e descalço.
E desde então, sempre a pedalar... Mesmo quando já a motorizada te levava.
A estrada onde tanto pedalaste, essa mesma te amorteceu na queda e te deu o último abraço.
A estrada, António!...
A estrada que te levava e te trazia, naquele dia levou-te para nunca mais.
Todas as flores que encontrar na estrada, vou apanhá-las para ti, meu irmão.

11 de Maio de 2011





2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Como o Joaquim me disse há alguns dias, a morte caminha a par com a vida - é certo. Mas a verdade é que nunca estamos preparados para perder aqueles que amamos.
    De novo o meu abraço solidário

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