Entre pontas de cigarros,
sobras de arraial, vestígios
de suposta indigestão,
por doença ou desemprego,
sobre o lajedo da praça
joga-se o corpo e a desgraça
na tentativa do pão.
Envolta a boca em cieiro
que ranho e frio provocam,
ao pé - descalços! - os filhos
estendem a mão a quem passa
nuns gestos que já não tocam...
Por desemprego ou doença,
sobre o lajedo da praça
.................................................
E eu para aqui tentando a redondilha
na desgraça dos outros
- nesta! a que vejo! e que se mostra e clama!
Não se resume nisto a dimensão do drama...
NEM a paralisia se desloca!
NEM o antro se expõe p'las avenidas!
NEM o poder terá de enfrentar as crianças
em reivindicação de proteínas!
NEM os analfabetos se amotinarão
em frente das escolas!
NEM os cegos farão
sair dos bandolins cânticos de revolta
contra a caixa-de-esmolas!...
NADA DISSO! A fronteira
das privadas inquietações gerais
passeia-se no luxo dos casinos,
no fofo dos veludos,
na seda da gravata a decidir
os que hão-de miserar e os que hão-de progredir
nos duzentos à hora em auto-estrada
do livre instinto concorrencial...
- Para lá da fronteira é tudo bestial!
Gaia, Fevereiro de 1982 - Publicado em 1982 - Joaquim Santos Silva
Fernanda Baptista / O Fado Subiu ao Céu
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