sexta-feira, 5 de novembro de 2010

CARTAS DO ESTADO E POSTAIS DO HOSPITAL


Vindo do bulício citadino de Gaia/Porto para a Casa das Eiras, da Serra do Pilar para a Serra do Rabaçal, redescobri o prazer de me sentar à soleira da porta.
À passagem dos rebanhos, já as ovelhas se abeiram de mim, enquanto os pastores tiram o chapéu para me cumprimentar.
Às vezes, a outras horas, vêm bater à porta ou badalar a sineta, para lhes explicar o que quer dizer uma ou outra carta recebida do Estado, invocando decretos-lei e portarias, quase sempre para fazê-los descer à burocracia dos balcões na vila de Soure ou em Coimbra; não raro, para os ajudar a escrever uma carta em resposta.
Outras vezes, quase pedindo desculpa pela modéstia, para oferecer um molho de grelos, um queijito feito em casa, um coelho já preparado a cozinhar, um cesto de figos, um garrafão de vinho tAdicionar imagemirado do seu pipo... E se não estou em casa, deixam discretamente no alpendre o que não precisa de frigorífico.
E quantas vezes vêm flitos, por terem recebido postal para consulta ou internamento no hospital de Coimbra, mas sem dinheiro nesse mês para chamar o táxi... Enquanto, de voz embargada, o vão dizendo, começam a rolar-lhes algumas lágrimas pela cara crestada de uma vida inteira de labuta no campo. Ouvindo com respeito e avaliando a sua aflição, vai-se em mim apertando um nó na garganta...
De volta e já medicados, sinto-me reconfortado.
Deixo-os em casa, mas trago uma grande revolta interior:
- Injustas e humilhantes Taxas Moderadoras pesam sobre esta honrada gente! Quem habita o palácio de São Bento tão pouco sabe do Povo que governa e do país em que vive!...

Sem comentários:

Enviar um comentário